Você acredita em comida Gourmet?
- Viviani Leite
- 15 de jan. de 2018
- 5 min de leitura
Algumas questões sobre esse termo tão usado: o gourmet!
Você acredita em comida gourmet?
Ser cozinheiro hoje em dia tá em alta. No país do Alex Atalla, com as transmissões de inúmeros programas de culinária nas tvs abertas e fechadas, canais e blogs de gastronomia pipocando por aí, ser cozinheiro é uma das profissões mais disputadas no mercado. Se por um lado isso é muito importante porque democratiza e aquece o mercado gastronômico e econômico atual, por outro, o excesso de marketing a que somos submetidos sobre o assunto pode distorcer a realidade de conceitos importantes à respeito da culinária e gastronomia. Um destes conceitos é a tal da “gourmetização”. Você já parou pra pensar no que é a comida gourmet? Há um tempo saí perguntado na rede pra alguns chefs o que seria essa tal da comida gourmet e a resposta foi quase unânime: a comida gourmet não existe! Isso é plano de marketing pra tentar diferenciar um produto no mercado lhe dando um status de produto mais requintado e por consequência colocar um valor mais alto para venda. Um dos chefs com quem conversei a respeito, respondeu minha pergunta com outra pergunta e recorreu a gramática pra me fazer refletir: “A palavra Gourmet é adjetivo ou substantivo?”
A palavra “gourmet” segundo o dicionário é um substantivo de dois gêneros, palavra de origem francesa que significa: aquele que tem paladar, gosto apurado, portanto respondendo gramaticalmente a pergunta que o chef me fez, só posso chegar a seguinte conclusão: eu posso ser uma gourmet, você pode ser um gourmet, o porteiro do prédio pode ser gourmet, minha vó pode ser um gourmet, mas a comida não, porque a palavra “gourmet” não é um adjetivo. Sim, você pode questionar isso, afinal a língua está sempre mudando, assim como o mundo e os conceitos também, e a gente tem de estar aberto a todas estas mudanças. Mas é importante gente questionar: quem lançou a moda gourmet? Qual foi a primeira vez que você ouviu esta palavra e em que situação?

No meu caso, morava em São Paulo, talvez no ano de 2008 ou 2009, eu trabalhava em outra área, mas pesquisava o mercado da gastronomia que estava em ascensão e esboçava meus primeiros planos para me tornar cozinheira e um destes planos era fazer uma pesquisa de campo e conhecer o máximo de restaurantes e gastronomia possível, o que mais me fascinava nesta busca era conseguir encontrar “restaurantes secretos”, que são espaços que não funcionam oficialmente como restaurante. Alguns funcionavam dentro de galerias de arte, outros em sedes de grupos teatrais e muitos deles eram casas de chef, mas o que todos tinham em comum era que funcionavam somente com reservas e por ser um espaço “ilegal” sua divulgação ocorria praticamente no boca a boca: um lugar exclusivo, só para os amigos e amigos de amigos. Lembro de conseguir a reserva de um almoço, produzido e oferecido por um casal de mexicanos que moravam na capital há mais de uma década. A cozinheira, muito simpática fazia o almoço na cozinha da própria casa, que era uma espécie de cozinha grande aberta pra sala que se transformava num salão abrigando somente 4 mesas para 4 pessoas cada, no total 18 lugares, o menu era previamente fechado e pra todos era servido o mesmo cardápio. Ao marido ficava a responsabilidade de receber os convidados, oferecer as bebidas, que no geral era um ou dois rótulos de vinho selecionados pela casa, água com gás e cerveja (não tínhamos ainda em alta, o mercado das cervejas artesanais). O menu era de comida tipicamente mexicana. A cozinheira contou quando foi servido o almoço que a comida que ela fazia era basicamente a mesma que ela comia nas refeições especiais e caseiras servidas pela sua família ou família de amigos. Enfim, tô narrando isso, pra poder chegar há um detalhe que mudava tudo: todos os ingredientes não perecíveis que ela usava para preparar aquela comida, vinham do México. Desde o óleo, sal e a diversidade de pimentas em conserva ou em pó que ela usava, até o feijão e a farinha de milho, tudo era enviado pela sua irmã mais velha e mãe que ainda moravam no México, mais precisamente na própria cidade e nas mesmas mercearias e mercados, que ela cotidianamente frequentava quando era criança e que ainda é frequentado pela família. Isso deu outro status aquela comida. Era o mais próximo do México que estávamos e, no meu caso, o mais próximo do México que já havia estado! Foi literalmente uma viagem, pude sentir o gosto da infância daquela cozinheira, pude de alguma forma ter uma relação de intimidade com a mãe dela, com a família dela, enfim, foi uma grande experiência. Saímos de lá, eu e dois amigos pensando no que seria aquela comida? como classificaríamos aquilo? A resposta mais óbvia era a de que tínhamos comido uma comida gourmet. Uma experiência rara, portanto especial. Hoje depois de uma intensa busca sobre conceitos, consigo dar outra resposta pra o que seria a comida que experimentamos naquele domingo em São Paulo, na casa de um casal simpático de mexicanos que traziam na mala sua história de vida e seus planos: uma comida saborosa, feita com bons ingredientes, boa técnica, muito carinho e uma bela história.
Talvez o “gourmet” um dia possa ter nascido com o intuito de classificar aquilo que é raro, aquela comida que cotidianamente não teríamos acesso, como a comida oferecida pelo casal mexicano, mas hoje em dia, encontramos o gourmet para designar tudo quanto é tipo de produto nas prateleiras do supermercado: do pó de café ao hambúrguer, sobrando até mesmo para o arroz e feijão de cada dia. A única coisa que todos estes produtos têm em comum é que são mais caros que todos os outros similares. O gourmet deixou de ser comida rara para ser o mais caro, portanto o de maior status, comida virou etiqueta. Mas será que vale a pena mesmo pagar por um rótulo? Afinal de contas comida boa é a comida feita com bons ingredientes, boa técnica, muito carinho e talvez uma bela história, mas nem sempre isso precisa ser o mais caro. A coxinha oferecida num bar aqui perto onde moro, produzida com massa de batata e um recheio de frango cremoso e bem temperado, que na região recebe o apelido de Pernil de tão grande que é, pelo valor de 3,00 é uma experiência rara quando comparado a todas essas coxinhas de padaria em que a massa consiste basicamente de trigo e água recheado com um frango insosso!
A gente precisa se importar mais com o valor das coisas e menos com o preço delas. Isso vale pra vida, mas em relação à comida esse princípio é fundamental na hora de fazer nossas escolhas.
Bom apetite!
Texto originalmente publicado no site Artekula em 2013
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